quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Flutuante

Desenho essas letras.
Desenho essas letras com gosto de sal. Lágrimas e Maresia.
A pequena embarcação oscila o tempo todo na turbulência de suas infinitas ondas. Suas emoções fluem tão fortemente em mim que as vezes mal posso me reconhecer.
Não . . . Você sabe que nunca naveguei por aqui. O oceano mais lúdico e sutil de meu mundo. Se você soubesse como a sutileza é tão magnificamente complexa . . .
Os relógios jamais funcionam, assim como as bússolas.
Incontáveis, infindáveis minutos se passam em sua realidade eterna, porém jamais é o suficiente.
Me perco inúmeras vezes entre suas águas serenas da forma mais tola possível . . . Sofro de forma tão contida, quase como uma necessidade autodestrutiva .
Minhas lágrimas se refletem nas tortuosas tempestades que se consomem nas noites escuras.
Todos dormem a milhas de distância, enquanto eu me deito no assoalho de minha embarcação . . . E sinto todas as gotas fazerem parte de quem eu sou.
Sonho constantemente com seus traços e com nossos futuros se entrelaçando tão decididamente, como se isso não estivesse mais em nosso controle.
Acordo com as ondulações do mar e só vejo água por onde quer que eu olhe (se você soubesse o que se passa em meu coração nesse momento . . .)
Desejo o próximo cais com uma ânsia tão desesperada que não consigo esperar. Não posso esperar.
Desenho essas letras nesse papel amarrotado e me debruço sobre ele para que você possa sentir todo o meu cheiro de mar e toda a minha angústia. Que você sinta isso a cada vez que seus dedos tocarem as partes amassadas do papel . . . os respingos de água salgada.
Que minha imagem se projete em sua mente quando por uma sorte do destino, avistar a minha velha garrafa longínqua . . . Flutuante.

domingo, 9 de outubro de 2011

Encharcada

Com sua palidez e seus olhos injetados você vêm pra me amedrontar.
Saindo de seu lago negro e denso você me puxa como uma boneca de trapo . . . Fazendo questão que eu conheça sua profunda confusão, que me afogue entre suas algas negras . . . assistindo as bolhas de vida se esvaindo de mim, flutuando infinitamente até meus olhos serem incapazes de definir suas linhas.
Retrato distorcido e defeituoso, é você, meu reflexo no lago negro.
Dentro de seu mundo, que você diz ser meu, eu não conheço nada disso.
O piso de madeira rangia a cada passo. Poeira translúcida e teias cobrindo todos os frágeis elementos, os laços, a penteadeira . . . Envelhecendo-os de uma forma sombria como os olhos de todas aquelas bonecas. Espelhos quebrados, cortinas rasgadas e segredos trancados.
Minhas mãos tocam a superfície da janela e logo posso distinguir sua silhueta distante, tocando as grades do velho portão.
Seus olhos dizem "deixe-me entrar" Meus olhos respondem fechando-se, desejando sumir daquela dimensão.
Quanto mais a ignoro mais posso sentir sua presença . . . E o que não passava de um reflexo distante, agora se transforma em uma enorme sombra a um palmo de meu rosto, divididos pelo vidro da janela. Vidro este, esfumaçado com minha respiração.
"Deixe-me entrar"
"Deixe-me sumir", eu digo.
Sombras invadem toda aquela imensidão decadente.
Sombras me envolvem.
Sombras me calam.
Sombras me acordam e sussurram "está só em sua mente".